Padarias artesanais caem no gosto do consumidor

O cheirinho de pão assando em uma casa na Vila Romana, zona oeste de São Paulo, costumava chamar a atenção dos vizinhos, que começaram a perguntar às ocupantes do imóvel quando eles poderiam experimentar os produtos. Dentro da casa, funcionava desde abril de 2018 a Aleguí Pães Artesanais, que fornecia para hamburguerias, restaurantes e eventos corporativos diversos tipos de pães feitos sem aditivos ou conservantes, utilizando fermentação natural. “Era tanta gente perguntando que resolvemos abrir as portas”, conta Carla Santos, sócia da padaria, que passou a atender o público em janeiro.

Vinda do setor publicitário, Carla se uniu a Alessandra Guimarães, que já produzia há quatro anos em pequena escala, a partir de uma cozinha compartilhada. “Hoje a Alessandra cuida da cozinha e eu cuido do restante”, diz. A abertura da loja e a  expansão da produção foram passos muito bem planejados. Em um mercado que valoriza a qualidade e o cuidado com os produtos, dar um salto grande demais é um risco para o negócio. “Não quisemos apostar todas as fichas na padaria de uma vez, já temos nossos clientes fixos.

Vamos até servir um cafezinho, mas por enquanto precisamos ter retorno. O investimento na casa foi muito grande”, conta Carla. Outra mudança foi em relação às entregas: antes, eram elas quem levavam os produtos aos clientes. Hoje, precisaram terceirizar a entrega. “A logística com alimentos é muito difícil”, diz a empreendedora. Por essas questões do dia a dia do negócio, Carla e a sócia têm em mente que não podem crescer demais para não perder o caráter artesanal da padaria – o que inclui atendimento próximo e personalizado.

“Um dos desafios de empreender é que cada hora surge uma coisa nova para correr atrás. E também é preciso muito cuidado para manter uma sociedade, principalmente no começo, quando ainda estamos pagando a conta”, observa.

EXPANSÃO
O mercado de padarias artesanais e de pequenos produtores de pão passa por um momento de expansão, especialmente na cidade de São Paulo. Voltado para um público interessado na origem dos ingredientes e no modelo de produção, e disposto a investir um pouco mais no pão de cada dia, o alimento de casca mais dura e miolo aerado ganha espaço até nas gôndolas de redes de padaria.

“A chamada ‘saudabilidade’ é uma tendência no setor de alimentação”, explica a consultora do Sebrae-SP Michelle de Melo Santos. “Os consumidores estão buscando alimentos com fermentação natural, com farinha orgânica, cereais e produtos funcionais, buscando menos desperdício e valorizando produtores locais”, diz.

Para o responsável pelo marketing da Sampapão (associação que reúne as empresas de panificação de São Paulo), Antônio Saú Rodriguez, a fórmula é clara: “O futuro da panificação, na verdade, é o passado”. Embora a entidade ainda não tenha feito pesquisas específicas sobre padarias artesanais, ela investe em qualificação para seus associados nesse tema.

“Há uma clientela das classes A e B que procura padarias pequenas ou mesmo quem não tem padaria. Nosso foco é incentivar que todo segmento possa participar disso e oferecer pães de fermentação natural, pães rústicos”, afirma.

Mas para quem resolve sair da panificação como hobby e se profissionalizar, manter o equilíbrio entre crescimento e as características artesanais dos pães é um dos maiores desafios. “Esse produto é mais caro porque a matéria prima é mais cara, exige um tempo de preparação maior, fermentação longa. É difícil produzir em grande escala, e o custo dessa produção pode se tornar um problema”, diz Michelle, do Sebrae-SP. Para ela, como um dos principais custos do negócio é o valor do aluguel, uma boa saída é procurar uma cozinha compartilhada.

CRESCIMENTO ‘SLOW’ 
O músico Ramiro Murillo começou a produzir pães artesanais há cerca de dois anos na edícula de sua casa, no bairro da Pompeia, em São Paulo. Interessado por gastronomia e disposto a investir nessa área, aprendeu as técnicas de fermentação natural com um amigo e começou a fazer testes. “Quando experimentei um pão de fermentação natural pela primeira vez, senti que era diferente.

A qualidade era melhor, a digestão era melhor. Foi uma realização muito grande quando vi meu primeiro pão dar certo”, lembra. O sucesso dos pães de Murillo deu início às primeiras encomendas, mas o seu negócio, El Panadero, começou para valer mesmo em agosto de 2017. Para isso, ele reformou a edícula, instalou um forno profissional e passou a produzir fornadas duas vezes por semana. Não há uma loja física, e todo o contato com os clientes é feito por whatsapp. A qualidade dos seus pães foi reconhecida até pela Folha de S.Paulo, que os incluiu em uma publicação como os melhores de São Paulo.

“Minha produção é pequena mesmo, são cerca de 60 pães por semana. Por enquanto não pretendo ter um espaço físico para receber os clientes, mas quero chegar a 100 pães por semana e estou pensando em contratar um assistente”, diz Murillo. Dois motoboys em dias fixos são responsáveis por 80% das entregas, e o restante é retirado no local pelos clientes.

Recentemente, ele adquiriu maquinário novo e está pensando em investir em mais um fogão e uma geladeira. “No slow food o crescimento também precisa ser slow (lento). Se eu dobrar a produção, eu quebro. O valor humano está agregado: o pão é você, não basta apenas ser um empreendedor que vai investir dinheiro. Em larga escala, o fator humano se perde”, diz Murillo, que ainda continua trabalhando com música em parte do tempo.

De acordo com ele, a concorrência entre as padarias ainda é pequena em relação à demanda crescente. Metade da divulgação de seus produtos é feita pelo boca a boca, a outra vem das redes sociais e do site da empresa. “O Instagram é hoje uma ferramenta de divulgação muito forte na gastronomia, mas ter um site é fundamental. O site dá credibilidade e consistência, mostra onde estou localizado, conta minha história”, afirma.

Para a consultora Michelle, esse valor que o produto artesanal traz consigo deve ser transmitido ao cliente. “Os funcionários precisam estar aptos a explicar o que está sendo vendido, quais são os ingredientes. E não é porque o produto é artesanal que não deve ser padronizado, com o mesmo tamanho e peso. É muito importante contar a história do produto e sempre ser verdadeiro nas informações”, diz.

Não erre a mão 
+ Faça um plano de negócios, mapeando quem são os consumidores e fornecedores
+ Verifique os registros necessários na prefeitura e em órgãos como a Anvisa
+ Produzir em escala maior vai exigir mais atenção com estoque e custos fixos, como aluguel de um espaço maior
+ Atenção à padronização do produto, como tamanho e peso
+ Saiba contar a história do seu pão e seja honesto com o cliente

O que é fermentação natural
Mais do que uma tendência atual, a história dos pães com fermentação natural remonta a 4 mil anos a.C., produzido e consumido por egípcios e hebreus. Essa é a forma original de fazer pão com fermento, que resulta em uma casca mais dura, um miolo leve e aerado, sabor mais marcante e digestão mais fácil. “Fermentação natural (estamos falando de pão) é o produto da ação de microorganismos que se alimentam da mistura de farinha e água.

Eles consomem os açúcares contidos no trigo e, em troca, produzem gás carbônico, álcool e ácidos”, explica o crítico de gastronomia Luiz Américo Camargo em seu livro “Pão nosso” Exposto ao meio ambiente, o fermento natural (também conhecido como levain ou massa madre) adquire características próprias da ação dos micro-organismos – diversos tipos de fungos e bactérias – que vivem naquela região.

Para começar do zero, o fermento parte dessa mistura de farinha de trigo e água, que precisa ser “alimentada” periodicamente. Eventualmente, no início do processo o fermento natural pode levar outro ingrediente, como suco de abacaxi ou mesmo açúcar. Já o fermento industrial, criado no século 19, e hoje encontrado nos supermercados em pó ou fresco, em tabletes, acelera o processo de fermentação do pão, mas resulta em um alimento menos complexo e saboroso.

Reportagem Gabriel Jareta (ASN)

 

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